Escalada da obesidade infantil esquenta debate sobre publicidade para crianças
domingo, 19 de agosto de 2012
Juliana Vines - De São Paulo, Folha de São Paulo,07/08/12 - Texto enviado Prof. Cláudio Meron
A
obesidade infantil está no centro de um debate que coloca, de um lado, a
indústria de alimentos e suas guloseimas e, do outro, as organizações de
direito do consumidor e sociedades médicas.
A
causa da discórdia é a publicidade de alimentos para crianças no Brasil, se
seria ou não um dos fatores responsáveis pelo crescimento assustador dos
índices de obesidade infantil no país.
O
IBGE mostrou aumento de mais de 200% na incidência de sobrepeso entre crianças
de cinco a nove anos nas últimas três décadas. Para especialistas, é uma
tendência comparável à epidemia de obesidade nos EUA.
O
tema vai ser discutido nesta quinta na Câmara dos Deputados, em um seminário na
Comissão de Direitos Humanos e Minorias. Na pauta, os projetos de lei parados
no Congresso sobre regulação de publicidade infantil.
"O
Brasil tem que avançar. Já há controle sobre a propaganda de cigarro e de
bebidas, evidente que precisa haver controle sobre a publicidade para
crianças", diz o deputado Domingos Dutra (PT/MA), que preside a comissão.
Já
o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) diz que a
legislação do país está entre "as mais exigentes do mundo".
Editoria
de Arte/Folhapress
Um
projeto que tramita no Senado é o 150/2009, que limita os horários para
veicular comerciais de alimentos com alto teor de gordura, sódio e açúcar e de
bebidas de baixo valor nutricional.
Esses
comerciais poderiam ir ao ar só das 21h às 6h, seguidos de alertas sobre o
risco do consumo excessivo dos produtos. Ficaria proibido o uso de personagens
infantis na publicidade de alimento.
O
Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do Conar já diz que
"quando o produto for destinado à criança, sua publicidade deverá
abster-se de qualquer estímulo imperativo de compra", especialmente se apresentados
por personagens ou autoridades.
CONFLITO
DE INTERESSES
O
Brasil não tem leis específicas, mas o Código de Defesa do Consumidor proíbe a
publicidade que "se aproveite da deficiência de julgamento e experiência
da criança". Além disso, entidades da indústria e o Conar têm normas de
autorregulamentação.
"A
autorregulamentação não tem funcionado, exemplos comprovam. Há conflito de
interesses no fato de o mercado defender a saúde pública em detrimento do
próprio mercado", diz Mariana Ferraz, advogada do Idec (Instituto
Brasileiro de Defesa do Consumidor).
"Além
de serem veiculados no intervalo de programas infantis, muitos comerciais usam
os próprios personagens. É como se fosse uma continuação do desenho",
critica Patrícia Alvares Dias, assessora técnica do Procon-SP.
Outro
problema, para a advogada Isabella Henriques, do Instituto Alana, é a venda de
alimentos com brindes colecionáveis. "É um incentivo para a criança comer
mais. Nas promoções, ela tem até 60 dias para fazer a coleção."
Sobre
isso já há algumas iniciativas locais: em Belo Horizonte e Florianópolis há
leis que proíbem a venda de brinquedos junto com alimentos em redes de fast
food.
CÁLCULO
DE INFLUÊNCIA
Várias
pesquisas já tentaram medir até onde vai a influência da publicidade na alimentação
das crianças, o que não é nada fácil.
"Há
inúmeros fatores que podem interferir, mas há um acúmulo de evidências que
mostram a influência direta da publicidade na escolha de produtos pela
criança", argumenta Daniel Bandoni, doutor em nutrição em saúde pública e
professor da Unifesp.
Se
medir o efeito dos anúncios é difícil, concluir que eles vendem alimentos não
saudáveis é fácil: 67% deles são de produtos com muito sal, açúcar ou gordura,
segundo um levantamento de 2010 coordenado pela Universidade de Liverpool que
analisou 12.618 peças publicitárias de 11 países, incluindo o Brasil.
Dependendo
da idade, a criança não tem senso crítico em relação ao anúncio, diz a
pesquisadora Inês Vitorino, autora de "Televisão, Publicidade e
Infância" (AnnaBlume, esgotado).
"Só
por volta dos 12 anos ela começa a estabelecer a relação entre causa e
consequência e reconhece o discurso comercial."
MUITAS
CAUSAS
A
obesidade infantil tem muitas causas e os médicos são unânimes ao afirmar que a
publicidade de alimentos não é a principal delas.
O
primeiro fator é genético: se pai e mãe são obesos, o risco de a criança ser
obesa é de 80%, diz a endocrinologista Zuleika Halpern, da Abeso (associação de
estudo da obesidade). Se só um dos pais é obeso, o risco cai para 50%, e, se
nenhum é, para 10%.
Há
ainda o fator ambiental. Inclui comportamento familiar, hábitos e influências
externas -como a publicidade.
"A
publicidade induz a criança a pedir o produto aos pais, mas há um limite desse
poder, isso sempre vai passar pela triagem de um adulto", diz Luis Eduardo
Calliari, endocrinologista pediátrico.
Imagem Google
OUTRO
LADO
O
Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) entende que a
legislação e a autorregulamentação vigentes estão entre "as mais
exigentes" do mundo. "Pelo Código de Defesa do Consumidor, um
anunciante está sujeito à pena de detenção por propaganda enganosa",
afirma Gilberto Leifert, presidente do órgão.
Diz
o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária do Conar: "Quando
o produto for destinado à criança, sua publicidade deverá abster-se de qualquer
estímulo imperativo de compra".
Leifert
não vê conflito de interesses no fato de um órgão de representantes do mercado
regular o próprio mercado. "O conselho de ética do Conar, responsável pelo
julgamento dos processos, reserva espaço a representantes da sociedade civil
[...] convidados a apresentar o ponto de vista do consumidor."
A
criação de leis sobre o tema, diz ele, é desnecessária. "Os consumidores
são aptos a tomar decisões com base nas informações veiculadas em anúncios e na
imprensa."
Segundo
Rafael Sampaio, vice-presidente da Associação Brasileira de Anunciantes, não há
evidências precisas sobre o papel da publicidade na obesidade infantil.
"Um
estudo encomendado pelo governo britânico mostrou que há dezenas de fatores que
contribuem para o aumento da obesidade e a propaganda é só um deles, e nem é o
mais influente", diz.
Outro
dado que ele cita é da província de Québec, no Canadá, onde a publicidade para
crianças é proibida há 30 anos. "Um estudo de 2004 demonstrou que o índice
de obesidade das crianças nessa província era de 7%, contra 8% do restante do
país."
Em
carta, o presidente da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação, Edmundo
Klotz, diz que a indústria está preocupada em reduzir [até 2020] o teor de
sódio e gordura dos alimentos, com base em acordo firmado em 2011 entre a
indústria e o Ministério da Saúde.
A
associação entende que a publicidade não é um fator determinante para a
escalada da obesidade infantil, "mas reconhece a importância de tratar o
assunto com muita responsabilidade".
Em
2009, 23 indústrias de alimentos se comprometeram a "não fazer, para
crianças abaixo de 12, publicidade de alimentos ou bebidas, com exceção de
produtos cujo perfil nutricional atenda a critérios específicos baseados em
evidências científicas".
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